Foto: Pixabay
Uma nova doença, com sintomas semelhantes à leishmaniose
visceral, mas mais grave e resistente ao tratamento, foi descoberta em Sergipe.
Duas pessoas morreram por causa da doença, que já acometeu 150 pessoas em
Aracaju. O parasita ainda é desconhecido, mas os pesquisadores já identificaram
que ele é diferente da Leishmania, responsável pela leishmaniose.
A doença está sendo investigada por um grupo de
pesquisadores brasileiros, que publicaram um artigo na Emerging Infectious
Diseases, a revista do Centro de Controle de Doenças Infecciosas (CDC) dos
Estados Unidos. A pesquisa é realizada no Centro de Pesquisa em Doenças
Inflamatórias (CRID), com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (Fapesp).
Liderada pela professora Sandra Regina Costa Maruyama, da
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), o estudo está sendo desenvolvido
em colaboração com colegas da equipe do professor João Santana Silva, da
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo
(FMRP-USP).
Diagnóstico, sintoma e tratamento
O diagnóstico e tratamento dos pacientes foi feito pelo
médico Roque Pacheco de Almeida, professor do Departamento de Medicina da
Universidade Federal de Sergipe, pesquisador e médico do Hospital
Universitário/EBSERH de Aracaju. Em entrevista à Agência Brasil, Almeida contou
que a doença vem infectando pessoas desde 2011 na capital sergipana, quando ele
diagnosticou e tratou o primeiro caso. Esse paciente morreu em 2012, em
consequência da doença.
Os sintomas, segundo ele, são muito parecidos aos do calazar
(nome mais popular da leishmaniose visceral), mas evoluem com mais gravidade.
“A gente trata muitos pacientes com calazar aqui. São vários por ano. Um desses
pacientes não respondeu ao tratamento. Ele recidivou [a doença
reapareceu],
tratamos novamente, recidivou de novo. E, na terceira recidiva, apareceram
lesões na pele. Em pacientes sem HIV não vemos isso. Ele não tinha HIV e
apareceram lesões na pele, pelo corpo inteiro, tipo botões, que chamamos de
pápulas”, contou o médico.
“Quando fizemos a biópsia, eram células repletas de
parasitas. E aí o paciente evoluiu gravemente ao que chamamos de leishmaniose
visceral grave, com sangramento. O baço dele era gigante, e a gente tentou
formas de tratamento, mas ele não sobreviveu”, contou.
Almeida coletou amostras de tecidos desse paciente e os
enviou a João Santana Silva, especialista em imunologia da FMRP-USP, que não
conseguiu identificar o parasita pelos métodos tradicionais, comparando-o às
espécies já conhecidas de Leishmania. Em 2014, a identificação do parasita
ficou a cargo da bióloga e imunologista Sandra Regina Costa Maruyama, que
começou a desconfiar que se tratava, na verdade, de um novo parasita que ainda
não havia sido descrito pela ciência.
“A gente estava diante de um caso grave. Como não
conhecíamos outras doenças, a gente achou que era um calazar grave. Mas quando
fomos ver, o parasita isolado da medula óssea, da pele e do baço [desse
paciente] se comportava também de maneira diferente em um camundongo [de
laboratório]. O parasita [retirado] da pele dava lesão na pele do camundongo,
mas não dava nos órgãos. E o parasita que veio da medula óssea dava lesão
parecida com o calazar, no baço e no fígado [do camundongo]. Temos então dois
parasitas diferentes no mesmo paciente”, falou Almeida.
Eles então fizeram um sequenciamento do DNA do parasita, que
foi comparado ao de outros protozoários. Os pesquisadores perceberam, então,
que não se tratava de Leishmania. O novo parasita se assemelha ao Crithidia
fasciculata, que infecta apenas insetos e que é incapaz de infectar mamíferos.
No entanto, essa nova espécie de parasita foi capaz de infectar humanos e
camundongos – e de forma grave.
Leishemaniose
Segundo Almeida, os 150 pacientes isolados também estão
sendo testados para se avaliar se também foram infectados por esse novo
parasita. “Boa parte desses pacientes também pertence a esse novo grupo. Ou
seja, o problema pode ser ainda maior do que estamos imaginando”, disse.
Os pesquisadores esperam, em breve, conseguir descrever o
novo parasita e nomear a nova doença. “Identificamos um parasita novo, uma
doença nova, que causa uma doença grave e com resposta terapêutica não
totalmente suficiente ou eficaz. Queremos entender a extensão disso e de onde
apareceu esse parasita, se foi uma mutação. Tem uma linha grande de pesquisa
para a gente investigar. Também queremos ver, geograficamente, para onde está
se expandindo o parasita”, disse
Almeida.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), entre 50 mil e
90 mil pessoas adoecem todos os anos com leishmaniose visceral. Dos casos
registrados na América Latina, 90% ocorrem no Brasil. Também conhecida como
calazar, ela é transmitida ao homem pela picada de fêmeas do inseto infectado,
conhecido popularmente como mosquito palha ou birigui. A transmissão aos insetos
ocorre quando fêmeas do mosquito picam cães ou outros animais infectados e
depois picam o homem, transmitindo o protozoário Leishmania chagasi, causador
da leishmaniose visceral.
Segundo o Ministério da Saúde, esses insetos são pequenos e
têm como características a coloração amarelada ou de cor palha e, em posição de
repouso, suas asas permanecem eretas e semiabertas. Eles se desenvolvem em
locais úmidos, sombreados e ricos em matéria orgânica (folhas, frutos, fezes de
animais e outros entulhos que favoreçam a umidade do solo). No ambiente urbano,
o cão é a principal fonte de infecção para o vetor, podendo desenvolver os
sintomas da doença, que são: emagrecimento, queda de pelos, crescimento e
deformação das unhas, paralisia de membros posteriores e desnutrição, entre
outros.
Nos humanos, os sintomas da doença são febre de longa
duração, aumento do fígado e do baço, perda de peso, fraqueza, redução da força
muscular e anemia. Se não tratada, pode ser fatal.
Em 2017, segundo o Ministério da Saúde, 4.103 casos de
leishamiose visceral foram notificados no Brasil, sendo que 1.824 deles
registrados na Região Nordeste. Em média, cerca de 3,5 mil casos são
registrados anualmente. Nos últimos anos, a letalidade vem aumentando
gradativamente. Em 2017, 327 pessoas morreram no Brasil por causa dessa doença.
Folha PE
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