Foto: Divulgação/Globo
Sandra Passarinho, 69, primeira correspondente da Globo na
Europa, decidiu deixar a emissora após 50 anos de contrato. A informação da
saída da repórter foi divulgada pela própria Globo nesta sexta-feira (20).
O diretor-geral de jornalismo da emissora, Ali Kamel,
escreveu um comunicado sobre a demissão da jornalista. "Quero agradecer à
Sandra pela imensurável contribuição que ela deu ao jornalismo da Globo e ao
jornalismo brasileiro. E por ter inspirado tantos e tantos profissionais. Entre
eles eu, que sempre parei quando via uma reportagem dela no ar. Desde a década
de 1970", afirmou Kamel.
Desde os 19 anos de idade na emissora, Passarinho chegou a
ser estagiária e depois se transformou em um grande nome do jornalismo. Seu
apelido, dado por Borjalo, se tornou uma verdadeira marca, segundo opinião de
Kamel. Laukenickas é o verdadeiro sobrenome da comunicadora, filha de pai
lituano e mãe brasileira.
"No começo daquela década [1970], enquanto a censura
dificultava a cobertura dos fatos nacionais, o noticiário internacional era a
saída possível. Em 72, Sandra já fazia sua primeira aproximação com os fatos
que ultrapassavam as nossas fronteiras. Com uma bagagem cultural expressiva e o
domínio de línguas, foi convidada para ser editora do recém-criado Jornal
Internacional, um jornal com ênfase em notícias do exterior e imagens de
agências, que era veiculado à noite", relembrou o diretor-geral de
jornalismo.
Aos 24 anos de idade apenas, Passarinho já cobria grandes
desdobramentos internacionais como a Revolução dos Cravos, em Portugal, ao lado
do cinegrafista Orlando Moreira. "Era o olhar brasileiro no meio de um
acontecimento que chamava a atenção do mundo." O sucesso da cobertura fez
com que Sandra se tornasse uma "jovem repórter itinerante no
exterior."
Depois de oito anos correndo a Europa e o mundo, Passarinho
fez um breve intervalo com a Globo. Entre 1982 e 1985 trabalhou para o serviço
brasileiro de notícias da BBC, e colaborou com TVs da Alemanha e Finlândia.
Também passou um ano como correspondente internacional da TV Manchete.
Outros vários jornalistas deixaram a Globo neste ano, como
Mauro Naves, Ivan Moré e Dony de Nuccio. Muitos deles foram contratados pela
CNN, caso de Cris Dias, Monalisa Perrone, Evaristo Costa e do casal Mari Palma
e Phelipe Siani.
Confira o comunicado na integra:
"Alguns nomes se transformam numa verdadeira marca. E
assim é o nome dela. Na verdade, o nome que Sandra ganhou logo que chegou à
Globo, com apenas 19 anos. Pequena e rápida, ela me contou que foi batizada por
Borjalo: Passarinho. E, assim, o apelido virou nome e o nome fez história.
Carioca, filha de pai lituano e mãe brasileira, Sandra
Laukenickas descobriu a profissão por acaso. Numa conversa recente, ela me
contou que fez vestibular para Sociologia. E passou para o Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, o mesmo em que me formei. Meses depois, o
curso foi interditado pela ditadura militar e a estudante decidiu fazer
Comunicação Social na mesma universidade. Não concluiu o curso, mas aceitou o
convite para fazer um estágio na Globo. Era 1969 e começava ali um casamento
indissolúvel: Sandra, agora Passarinho, e o jornalismo. Teve a carteira
assinada em 1970.
No começo daquela década, enquanto a censura dificultava a
cobertura dos fatos nacionais, o noticiário internacional era a saída possível.
E, em 1972, Sandra já fazia sua primeira aproximação com os fatos que
ultrapassavam as nossas fronteiras. Com uma bagagem cultural expressiva e o
domínio de línguas, foi convidada para ser editora do recém-criado Jornal
Internacional, um jornal com ênfase em notícias do exterior e imagens de
agências, que era veiculado à noite. Foi a experiência no telejornal que deu a
ela o passaporte para a missão que mudaria para sempre a sua trajetória pessoal
e profissional. Numa tarde de 1974, ao chegar em casa, recebeu o recado para
que viesse imediatamente à Globo. Na mesma noite, junto com o colega Orlando
Moreira, cinegrafista fundador da Globo e em atividade em Nova York há décadas,
embarcou para Portugal para cobrir os desdobramentos da Revolução dos Cravos.
Sandra tinha apenas 24 anos e já era o olhar brasileiro no meio de um
acontecimento que chamava a atenção do mundo.
Com o sucesso daquela cobertura, a jovem repórter se tornou
itinerante no exterior. Passou seis meses sem endereço fixo, viajando sem parar
para onde estivesse a notícia. Deslocava-se no ritmo dos acontecimentos,
aprendendo a fazer jornalismo na prática. Era repórter, mas também produtora,
pauteira e editora. Frequentava as agências internacionais de notícias e as
emissoras locais para descobrir novidades, revelar o material - ainda feito em
filme, película - e transmitir as matérias para o Brasil. Enquanto isso,
cultivava fontes e formava uma rede de contatos que a acompanharia pelos anos
seguintes. Tomou gosto e conquistou o seu lugar fora do Brasil. A primeira
correspondente da Globo na Europa.
Em novembro do mesmo ano, Sandra se fixou em Londres e dali
correu o mundo. Em 1975, cobriu a morte do ditador espanhol Francisco Franco;
em 1976, acompanhou a visita de Geisel a Londres; sua cobertura do nascimento
do primeiro bebê de proveta em 1978 é antológica; cobriu, em 1979, viagens do
Papa João Paulo II à Irlanda e Turquia, menos de um ano depois da entronização
dele como líder dos católicos; cobriu atentados do grupo terrorista IRA na Inglaterra
e testemunhou aproximações diplomáticas entre Israel e Egito; visitou um campo
de refugiados cambojanos na Tailândia. E muitas outras coberturas que marcaram
época.
Depois de oito anos correndo a Europa e o mundo, Sandra fez
um breve intervalo na sua história com a Globo: entre 1982 e 1985 trabalhou
para o serviço brasileiro de notícias da BBC, colaborou com TVs da Alemanha e
Finlândia e passou um ano como correspondente internacional da TV Manchete. Ela
me contou que com isso conseguiu, finalmente, cursar a sonhada faculdade de
Ciências Sociais, agora na Polytechnic of Central London. Fez amizades que a
acompanham até hoje.
Com a formatura, Sandra sentiu que fechava um ciclo na
Europa e era hora de voltar a
o Brasil. "Começar", praticamente, uma
carreira aqui, embora já consagrada como repórter.
Convidada pela Globo em
1985, veio integrar a equipe do Globo Repórter, mergulhando agora na realidade
brasileira. Viajou o país todo e fez programas históricos, como aquele que foi
o primeiro a abordar a Aids no Brasil. Outro a marcou intensamente. Foi sobre o
Juqueri, o maior complexo psiquiátrico do Brasil, de triste memória. Um acervo
histórico de maus tratos e falta de humanidade, que começava a passar por
alguma modernização. Uma senhora cega, que não era doente mental, e sim uma
interna social, que não tinha onde morar e foi parar lá, fez uma poesia para
Sandra. O abraço das duas encerrou o programa. Sandra nunca se esqueceu daquele
momento.
Na década de 1990, no Bom Dia Brasil, apresentou o quadro Abra
o Olho, dedicado a defender os direitos dos cidadãos e consumidores. Em 2001,
tornou-se editora-chefe do programa Espaço Aberto, da GloboNews, sua primeira
experiência na TV fechada. Foi ali que a encontrei quando cheguei à Globo. Eu
acompanhei como espectador a carreira de Sandra como correspondente e fui
certamente um de muitos jornalistas que a tinham como modelo. Mesmo quando eu
ainda não pensava em ser jornalista, eu admirava o trabalho dela: a firmeza, a
seriedade, a correção, tudo junto nela resultava e ainda resulta num tremendo
carisma. Quando visitei a Globo News nos meus primeiros dias na Globo e fui
apresentado a ela, tive aquela sensação do admirador que está diante de alguém
muito importante. E estava. Tímido, não disse a ela na época, nem disse a ela
em nossas conversas esses anos todos. Mas conto agora por escrito. Ao sair
daquele breve encontro, eu sugeri ao Schroder, então diretor de jornalismo: por
que não convidar a Sandra para voltar ao vídeo? Ele adorou a ideia e ela,
também. E a TV ganhou de volta a grande repórter que Sandra é (trouxemos também
de volta à reportagem a saudosa Sandra Moreyra, então também editora da News).
Dali em diante, participou de inúmeras grandes coberturas (integrou a equipe
destacada em 2010 para cobrir a ocupação do Complexo do Alemão e da Vila
Cruzeiro pelas forças de segurança do Rio, cobertura que rendeu ao Jornal
Nacional o primeiro Prêmio Emmy do jornalismo brasileiro).
Consagrada pelos documentários do Globo Repórter e também
pelas coberturas factuais, Sandra optou por se dedicar ao mergulho em
determinados temas, fazendo séries especiais que renderam prêmios e grande
repercussão. Assim foi com as quatro reportagens sobre pesquisas brasileiras
com células-tronco; com a série de 2015 feita para o JN sobre testes humanos,
mostrando como voluntários podem ajudar no desenvolvimento de vacinas no
Brasil; com a série Inovação, também para o JN, onde ela trouxe à tona
iniciativas pioneiras em tecnologia no Brasil. Nesses trabalhos, voltou a atuar
como naqueles primeiros e difíceis anos na Inglaterra. Antes por necessidade,
agora por prazer, participava da ideia, da produção, da realização e da edição
de VT.
Em 2015, na série 50 anos de Jornalismo da Globo, assim como
no livro Correspondentes, organizado pelo Memória Globo em 2018, Sandra lembrou
algumas das inúmeras e fantásticas histórias que protagonizou em quatro décadas
de jornalismo. Um presente para o público e um orgulho para todos nós. Afinal,
não consta dos dicionários mas bem poderia: Sandra Passarinho - sinônimo,
REPÓRTER.
Nesse ano em que se completam 50 anos desde que entrou na
Globo como estagiária aos 19, Sandra me procurou para dizer que decidiu deixar
o jornalismo diário. Notem, não deixará o jornalismo, mas terá um outro ritmo.
Um dos amigos que fez em Londres, na Polytechnic of Central London, a convidou
para participar de um projeto pioneiro. E sem a necessidade de se mudar para
Londres. Sandra está namorando a ideia de dar a sua colaboração num projeto
digital, tudo ainda muito embrionário. O que a cativa é continuar de alguma
forma a buscar outras formas de contar histórias. Como ela me disse, o que
somos nós jornalistas senão "historiadores" do nosso tempo? Sandra
Passarinho fez História na TV. Nessa mensagem, eu tentei apenas contar uma pequena
fração da magnífica história que ela escreveu até aqui. História que ela
continuará a escrever.
Eu então quero agradecer à Sandra pela imensurável
contribuição que ela deu ao jornalismo da Globo e ao jornalismo brasileiro. E
por ter inspirado tantos e tantos profissionais. Entre eles eu, que sempre
parei quando via uma reportagem dela no ar. Desde a década de 1970.
Sandra, obrigado por tudo, de coração. Um beijo, com
admiração,
Ali Kamel"
Fonte: Folha PE
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