Foto: Ed Machado/Folha de Pernambuco
Por mais que o queijo de territórios como França e Holanda
seja referência no mundo todo, os laticínios desse tipo que você encontra com
selo de produção artesanal do Agreste pernambucano não ficam mais atrás da
expertise gringa no assunto. Entenda a comparação como insumos distintos, mas
igualmente especiais na qualidade de fabricação. É assim que o produto made in
PE pode chegar à mesa, em 20 de janeiro, para marcar o Dia Nacional do Queijo,
com seus desafios e acertos em nome da boa mesa.
No geral, essa é uma produção em pequena escala, guiada por
padrões de receita e manuseio já definidos historicamente, como o uso do leite
da própria fazenda, livre de qualquer aditivo ou fortificante industrial. Some
o perfil dessas empresas ao contexto da região onde elas estão inseridas,
grande maioria na Bacia Leiteira, no Agreste do Estado, formada por quase 30
municípios, incluindo Garanhuns, Venturosa, Sanharó e Belo Jardim.
Na cidade de Pombos, distante 60 km do Recife, o laticínio
Campo da Serra processa dois mil litros de leite por dia, destinados à
fabricação de mais de 40 variedades de queijo. Entusiasta do assunto há mais de
duas décadas, a responsável técnica Vitória Barros destaca que, embora o
consumo per capita no Brasil seja menor em relação à Europa, há um potencial
enorme de expansão, inclusive territorial. “Lá fora eles não têm mais para onde
crescer, nem mesmo área física. Precisamos divulgar nosso nome nas produções e
ampliar o mercado”, diz.
Na França, os nomes são definidos por regiões, a exemplo de
camembert e brie, feitos em territórios completamente diferentes. “Se estamos
em outro continente, temos outra vaca e outro terroir, então o nosso não será
exatamente o de lá”, explica Vitória, que, para ter uma versão do brie usa
processos similares a esse clássico francês, incluindo uma análise laboratorial
completa em relação aos micro-organismos. “Com o tempo, o mundo sentiu a
necessidade de não fazer só o gruyère na Suíça, por exemplo. Então, os
laboratórios vão naquela região e enxergam no leite qual o lactobacilo que
reina por lá, fazendo ele se multiplicar até vender para outras regiões. Aqui,
aplico esse lactobacilo para ele ganhar na briga pelo desenvolvimento do
queijo”, explica.
Esse é um trabalho minucioso e livre de químicas, que
resulta em um alimento considerado vivo, cuja percepção de sabor muda em
questão de horas. Por isso, não é fácil de encontrar nas grandes redes de
supermercado. Exige cuidado e um tempo de comercialização infinitamente menor
se comparado aos produtos de larga escala.
Tempo de maturação modifica o queijo. Ao centro, o gruyère,
maturado por três anos, tem sabor pronunciado
Tempo de maturação modifica o queijo. Ao centro, o gruyère,
maturado por três anos, tem sabor pronunciado - Crédito: Ed Machado/Folha de
Pernambuco
Sinal verde no comércio
No ano passado, Pernambuco obteve o reconhecimento de
equivalência do serviço de inspeção estadual de produtos de origem animal junto
ao Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Sisbi-POA), do
Ministério da Agricultura, Pecuária e do Abastecimento (Mapa). Com ele,
produtos desse tipo, de empresas cadastradas, podem ser comercializadas em todo
o País. Antes, eram permitidos apenas no próprio Estado.
Também no ano passado, foi lançado o chamado Selo Arte, que
cria condições para os pequenos produtores circularem de maneira interestadual.
A norma pode evitar que casos como a da chef Roberta Sudbrack voltem a
acontecer por meros desencontros na lei. Em 2017, ela amargou a apreensão de
produtos artesanais expostos no seu estande montado no Rock in Rio. Tudo foi
jogado fora. Na mesa estava o queijo do Campo da Serra, criado especialmente
para a chef, utilizando a base do tipo gruyère.
Do Nordeste, o coalho
Se há um ingrediente que levanta a bandeira da produção
pernambucana é o queijo de coalho, feito obrigatoriamente com o leite de vaca.
Segundo os produtores, ele é de fato nosso. Tanto que o processo para aquisição
do selo de Denominação de Origem Controlada (DOC) segue em tramitação, segundo
a Superintendência Federal de Agricultura, Pecuária e Abastecimento no Estado
de Pernambuco (SFA-PE).
De acordo com o presidente do Instituto de Tecnologia de
Pernambuco (ITEP) e apoiador técnico para o DOC, Antônio Vaz Cavalcanti, até o
fim de 2019 o estágio era de padronização dos processos junto aos fornecedores
de queijo para assegurar as características da região e do produto. O prazo
para tudo ficar como precisa depende de fatores externos, mas é provável seguir
por mais alguns meses. Trata-se de um mapeamento completo, resumindo as
características que só os produtores da bacia leiteira conseguem ter de
alimentação do gado, aproveitamento do solo e manuseio humano.
Com sotaque mineiro
No restaurante Prudente 242, em Olinda, o chef Márcio Costa
usa o queijo padrão Minas, de aparência amarelada e textura macia, em receitas
como a caçarola italiana - similar ao bolo engorda marido. “Estamos falando de
um insumo extremamente fresco. O mais conhecido é o da Canastra, porém mofa
mais rápidamente”, diz, apontando para o ingrediente que, quando curado, é
essencial na preparação do pão de queijo mineiro.
Na mesa do café da manhã de qualquer brasileiro, as bolotas
de queijo douradas têm modo de preparo à base de polvilhos doce e azedo, além,
claro, do queijo meia-cura ralado. No caso da produção das regiões do Serro,
Canastra e Salitre se trata de um procedimento inscrito como patrimônio
Imaterial de Minas Gerais, pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico
(IEPHA-MG). Dessa forma, as técnicas de preparo, da maneira como eram
utilizadas desde o período da colonização, devem ser preservadas pelos
fabricantes.
Fonte: Folha PE
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