Foto: Atta Kenare/AFP
Enquanto ajeita os cavaletes para sua próxima aula, o
professor de pintura e caligrafia Manouchehr Mohagheghian, 60, manifesta apoio
ao ataque dos EUA que matou o general iraniano Qassim Suleimani. "Quando
existe um câncer, é preciso fazer quimioterapia e matar as células doentes. A
morte de Suleimani tornou o mundo um lugar melhor e mais seguro."
Morador dos EUA há 34 anos, ele integra a comunidade de
cerca de 200 mil iranianos-americanos que vivem na Califórnia, estado que
abriga mais de 40% dos imigrantes dessa origem no país.
A galeria de arte em que ele dá aula fica na região
conhecida como Teerangeles, na parte oeste da cidade de Los Angeles, que reúne
milhares de imigrantes iranianos, muitos saídos do Irã após a Revolução
Islâmica de 1979, que instalou a república teocrática no país.
Entre os comerciantes abordados na região, Mohagheghian –ou
Mike, como é conhecido nos EUA– foi o único que aceitou discutir o assunto com
a reportagem.
"Talvez algumas pessoas temam por suas famílias no Irã
ou pretendam viajar ao país e tenham medo de que algo aconteça", diz o
pintor, que não voltou a seu país natal desde que chegou aos EUA, fugindo das
restrições do regime. O fato de ainda ter parentes e amigos no Irã para onde viaja anualmente, foi o que levou uma diretora e roteirista de cinema a pedir que seu nome não fosse divulgado na reportagem.
"Além da questão da família, se a pessoa está envolvida
em um negócio com o Irã, tem propriedades no país ou quer viajar para lá, pode
ter problemas com o governo. É compreensível que tenhamos medo, mesmo vivendo
longe."
A cineasta de 32 anos, que está nos EUA há 13, não sabia
quem era Suleimani quando leu sobre sua morte. Ao ver fotos do general
abraçando o aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do Irã, ficou claro para ela
que havia uma ameaça de guerra entre os dois países. Embora afirme não ter nenhuma simpatia pelo general morto ou pelo governo de seu país, ela questiona a validade da ação americana.
"Me assustou que alguém pudesse matar uma figura tão
importante de outro país de forma tão abrupta. Não sabia que era possível fazer
algo assim. Isso é sequer legal?"
Para a pesquisadora Assal Rad, do Conselho Nacional
Iraniano-Americano (Niac), a morte de Suleimani foi um passo inesperado na
tensão que vem se construindo entre os países nos últimos anos, especialmente
no governo Trump.
"A primeira reação foi o medo. Pareceu que a linha [do
início de uma guerra] tinha sido finalmente cruzada. Imediatamente meus amigos
e família, que vivem nos EUA, começaram a ligar uns para os outros tentando
descobrir o que estava acontecendo."
Outro temor é que, caso haja uma escalada do conflito,
aumente a discriminação contra iranianos vivendo nos EUA. Muitos
iranianos-americanos relatam terem sido detidos para questionamento ao cruzar a
fronteira dos EUA vindos do Canadá, no dia seguinte à morte de Suleimani.
"É um caso flagrante de discriminação", diz a
advogada Mehrnoush Yazdanyar, também de ascendência iraniana, que tem
escritório em Beverly Hills. "No governo Trump, o número de
iranianos-americanos detidos para inspeções adicionais nas fronteiras, sem
nenhum motivo além de terem ligação com o Irã, cresceu
significativamente".
Apesar dos temores iniciais, o discurso em tom menos
beligerante de Trump após um ataque a bases americanas no Iraque acalmou parte
dos imigrantes iranianos nos EUA.
Mohagheghian, por exemplo, diz estar convencido de que não
haverá guerra e de que as ameaças do Irã são blefes. Mas a aparente queda de temperatura do conflito não acaba com a confusão de sentimentos experimentados por aqueles que vivem em uma nação à beira de uma guerra com seu país natal.
"Muitos estão felizes porque Suleimani morreu, mas não
me sinto feliz nem triste. Certamente ele não era meu herói", diz a
superintendente de obras Nazanin, 35, que não quis revelar o sobrenome.
"Mas sinto raiva, porque os EUA fizeram algo ilegal. Eles mataram um dos
generais mais importantes do Irã e parecem orgulhosos disso. Por que pensam que
o Irã não tem direito de reagir?"
Fonte: Folha PE
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