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Antonia, auxiliar de escritório, todos os dias compra uma
balinha ou um chocolate, no ponto de ônibus, na volta do trabalho, que custa R$
0,50. "Eu não dava importância para aquele gasto. Imagina, R$ 0,50 não é
nada! Mas eu nunca consegui economizar um centavo”. Fazendo as contas, esses
centavos viram R$ 11 em um mês e R$ 132 em um ano.
São situações como esta, retirada de livro didático
disponível online, que ensinam estudantes de escolas em várias parte do país a
terem consciência dos próprios gastos e a ajudar a família a lidar com as
finanças. A chamada educação financeira, cuja oferta hoje depende da estrutura
de cada rede de ensino passa a ser direito de todos os brasileiros, previsto na
chamada Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
“É uma grande oportunidade, uma grande conquista para a
comunidade escolar do país”, diz a superintendente da Associação de Educação
Financeira do Brasil (AEF-Brasil), Claudia Forte. “A educação financeira busca
a modificação do comportamento das pessoas, desde pequeninas, quando ensina a
escovar os dentes e fechar a torneira para poupar água e economizar. Isso é
preceito de educação financeira”.
A BNCC é um documento que prevê o mínimo que deve ser
ensinado nas escolas, desde a educação infantil até o ensino médio. Educação
financeira deve, pela BNCC, ser abordada de forma transversal pelas escolas, ou
seja, nas várias aulas e projetos. Parecer do Conselho Nacional de Educação
(CNE), homologado pelo Ministério da Educação (MEC), prevê que as redes de
ensino adequem os currículos da educação infantil e fundamental, incluindo esta
e outras competências no ensino, até 2020.
A educação financeira nas escolas traz resultados, de acordo
com a AEF-Brasil. Pesquisa feita em parceria com Serasa Consumidor e Serasa
Experian, este ano, mostra que um a cada três estudantes afirmou ter aprendido
a importância de poupar dinheiro depois de participar de projetos de educação
financeira. Outros 24% passaram a conversar com os pais sobre educação
financeira e 21% aprenderam mais sobre como usar melhor o dinheiro.
Sonho do restaurante próprio
É com o que aprendeu em sala de aula aos 16 anos que Adria
Cristina da Costa, hoje com 18 anos, pretende ter o próprio restaurante. “Foi
fundamental para entender que não é só gastar e curtir, mas é preciso pensar em
si mesmo, pensar que o dinheiro vai ser necessário um dia”, diz.
Depois da formação, Adria conta que deixou de gastar apenas
com roupas, sapatos, bolsas e artigos para a casa os R$ 80 que ganhava como
babá e começou a guardar um pouco todo mês. Com o que poupava, comprava
salgados, que vendia a R$ 2 com suco. Logo, os R$ 80 por mês, transformaram-se
em R$ 100 por dia. “Quando eu tinha 16, 17 anos, eu queria ter o meu próprio
restaurante. Ainda não consegui, mas, agora, em 2020, pretendo ter meu próprio
negócio”.
Ela também mudou os hábitos da casa. “Meus pais trabalham
muito e não têm tempo de analisar os gastos. Comecei a ajudá-los com os custos
de energia, a tirar os aparelhos da tomada. Começamos a nos reunir para fazer
uma lista do que é necessário comprar para chegar nas lojas e já saber o que
levar e o custo disso”.
Adria foi aluna de Mariá de Nazaré Conceição Sena, pedagoga
e socióloga, que desde 2015 desenvolve projetos de educação financeira com os
estudantes das escolas que leciona, no Amazonas. O primeiro foi na Escola
Municipal Maria Madalena Corrêa, a estudantes do ensino fundamental e, o
segundo, na Escola Estadual Professora Adelaide Tavares de Macedo, para o
ensino médio, onde Adria estudou. Ambas são escolas em Manaus (AM).
“A educação financeira está entre os temas que são de suma
importância para o ser humano e que precisam ser desenvolvidos o quanto antes.
Crianças têm possibilidade de mudança mais rápida e aceitam mais que os
adultos”, diz a professora que agora mora em Presidente Figueiredo, onde
pretende também desenvolver projetos de educação financeira.
Segundo a professora, o lidar conscientemente com o dinheiro
está relacionado também com o cuidado com a saúde e com a preservação do meio
ambiente. “Está relacionado com a alimentação saudável. Vou comprar produtos
mais naturais ou industrializados? Está também relacionado ao acúmulo de lixo.
Preciso mudar de celular todos os anos? Tenho essa necessidade? Qual o lugar
para o descarte adequado de materiais obsoletos? [A educação financeira] ensina
a não ser consumista, mas sim consumidor”.
Desafios
Levar a educação financeira para todas as escolas envolve,
no entanto, uma série de desafios, que vão desde a formação de professores, a
oferta de material didático adequado e mesmo a garantia de tempo para que os
professores se dediquem ao preparo das aulas. “A gente não tem tempo livre para
trabalhar projeto nenhum, tem que desenvolver projetos como este na cara e na
coragem”, conta Mariá.
De acordo com o presidente da União dos Dirigentes
Municipais de Educação (Undime), Luiz Miguel Garcia, os municípios, que são os
responsáveis pela maior parte das matrículas públicas no ensino infantil e
fundamental, focarão, em 2020, na formação dos docentes, para que eles possam
levar para as salas de aula não apenas educação financeira, mas outras
competências previstas na BNCC.
“Tivemos um grande foco na construção dos currículos e,
agora, neste ano, [em 2020], entramos no processo de formação. Educação
financeira, inclusão, educação socioemocional, todos esses elementos vão chegar
de fato na sala de aula a partir da discussão que fizermos agora”, diz. Segundo
ele, a implementação será concomitante à formação, já em 2020.
De acordo com Garcia, não há um levantamento de quantos
municípios já contam com esse ensino. “Não existe uma orientação geral com
relação a isso. São iniciativas locais. Não tenho como quantificar, mas não é
algo absolutamente novo”, diz.
Ensinar a escolher
A educação financeira é pauta no Brasil antes mesmo da BNCC.
Em 2010 foi instituída, por exemplo, a Estratégia Nacional de Educação
Financeira (Enef), com o objetivo de promover ações de educação financeira no
Brasil. Na página Vida e Dinheiro, da entidade, estão diponíveis livros
didáticos que podem ser baixados gratuitamente e outros materiais informativos
para jovens e para adultos.
As ações da Enef são coordenadas pela AEF-Brasil. Claudia
explica que a AEF-Brasil foi convocada pelo Ministério da Educação (MEC) para
disponibilizar materiais e cursos para preparar os professores e, com isso,
viabilizar a implementação da educação financeira nas escolas.
As avaliações mostram que o Brasil ainda precisa avançar. No
Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) 2015, o Brasil ficou
em último lugar em um ranking de 15 países em competência financeira. O Pisa
oferece avaliação em competência financeira de forma optativa aos países
integrantes do programa. O resultado da última avaliação dessa competência,
aplicada em 2018 ainda foi divulgada.
Os resultados disponíveis mostram que a maioria dos
estudantes brasileiros obteve desempenho abaixo do adequado e não conseguem,
por exemplo, tomar decisões em contextos que são relevantes para eles,
reconhecer o valor de uma simples despesa ou interpretar documentos financeiros
cotidianos.
Fonte: Folha PE
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