Manter a memória viva de seus povos tem sido um dos desafios para indígenas de todo o País. Ameaças a comunidades, destruição de biomas e invasão de territórios são algumas das narrativas comuns que nos são contadas para resumir a vivência dos povos nativos brasileiros. Contudo, o audiovisual tem se tornado um aparato político para que os indígenas contem suas histórias, suas visões de mundo e a pluralidade de conhecimentos, culturas e formas de convivência no tempo presente. Parte desses registros será exibida a partir deste domingo (20) no Cine Kurumin, Festival de Cinema Indígena, que terá uma programação on-line durante um mês.
Com curadoria também de realizadores indígenas, o festival trará produções que elucidem em torno da pandemia, a defesa dos territórios indígenas, questões de gênero, mulheres, LGBTI, e outras temáticas que dão o contorno do cinema indígena brasileiro e internacional contemporâneo. Dividido entre as Mostras Abya Yala, que exibe a produção cinematográfica indígena na América Latina; a Mostra Porahei; clipes indígenas; e a Mostra Oficial, a ideia do circuito é dar destaque a uma trilha de programação diferente a cada semana.
Apoiado pelo Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (Funcultura) e Governo do Estado, ocorria presencialmente desde 2011, passando por Salvador e pelos territórios indígenas Tupinambá, Pataxó, Tumbalalá, Kiriri (Bahia) e Yawalapiti. “O Festival foi crescendo e esse ano chegou em Pernambuco. Seria uma edição presencial que aconteceria na Fundação Joaquim Nabuco, mas com a pandemia decidimos adaptar e fazer uma versão on-line. Temos boa parte da equipe composta por indígenas, temos o apoio muito forte do Cinema nas Aldeias, que é a maior escola de cinema para indígenas. Sou a diretora, mas temos curadores e outras ocupações da equipe por indígenas”, conta Thaís Britto, diretora geral e curadora do Kurumin.
A cineasta e comunicadora Graciela Guarani é uma das curadoras do festival. Na mostra de curtas, ela apresenta “Cartas Nhemongueta Kunhã Mbaraete”, co-dirigido com Michele Kaiowá, Patrícia Ferreira e Sophia Pinheiro. No gênero de videocartas, Graciela troca experiências com outras duas mulheres indígenas e uma não-indígena, em um plano crítico e afetivo durante o isolamento social. Morando em Pernambuco, próximo aos povos Pankararus, ela nasceu no território que compreende as Nações Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. Usa o cinema como uma ferramenta de luta pelas mulheres indígenas.
Graciela considera como um desafio a reeducação do olhar das pessoas não-indígenas para as produções desses povos. “Um dos maiores desafios enquanto uma mulher indígena no audiovisual, que não deveria ser, é fazer essa reeducação da população e da sociedade de consumir produções diferentes, de consumir coisas relacionadas a povos indígenas. A gente sabe que tem uma questão estereotipada sobre nós e quando mexemos nesses espaços e começamos a nos mostrar causa um estranhamento nessas pessoas”, explica.
Visibilidade para o povo
O cineasta Alberto Alvares, da etnia Guarani Nhandewa, considera o audiovisual como uma forma de construir uma memória com o seu povo. “Comecei como o ator, atuando em um filme em 2009, por um diretor que não era indígena. Foi quando vi a cena sendo feita por trás das câmeras e vi que era possível contar as nossas próprias histórias. Eu não tenho intuito de ficar famoso, faço cinema porque acredito nessa ferramenta política. Infelizmente, há percalços que impedem de a gente chegar em grandes festivais nacionais e ainda não há forma de catalogar a nossa produção por parte federal”, conta o cineasta, que também é professor da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Fonte: Folha PE
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